Experiência universitária e a evasão de estudantes de graduação da Universidade de São Paulo

Ana-Amélia Chaves-Teixeira-Adachi*

      Recepción: 13/05/19.
      Aprobación: 8/03/20.
     Publicación: 1/10/21.

Resumo

Este trabalho analisa a experiência universitária que favoreceu a evasão e os caminhos percorridos por jovens nos cursos de graduação da Universidade de São Paulo (USP), oferecidos na cidade de São Paulo, durante o período 2002-2016. Trata-se de uma investigação longitudinal com análises quantitativas da evasão e entrevistas realizadas em profundidade com uma amostra de vinte e dois egressos, concludentes e evadidos, da USP. A partir das entrevistas, delineamos quatro perfis de trajetórias, segundo o tempo de permanência e a situação de conclusão do curso. Concluímos, diante dos trajetos e experiências apontadas, que a evasão é afetada por diferenças de vínculos estabelecidos com a universidade, bem como pelas condições e estilos de vida juvenil. As determinações de classe não explicitam as ocorrências de evasão na USP.

Palavras chave: experiência educativa, deserção, estudantes, ensino universitário, Brasil.


Experiencia universitaria y la evasión de estudiantes de posgrado de la Universidade de São Paulo

Resumen

Este trabajo analiza la experiencia universitaria que favoreció la evasión, y los caminos recorridos por jóvenes en los cursos de posgrado de la Universidade de São Paulo (USP), ofrecidos en la ciudad de São Paulo, durante el periodo 2002-2016. Se trata de una investigación longitudinal con análisis cuantitativas de la evasión y entrevistas realizadas en profundidad con una amuestra de veinte y dos desertores y egresados de la USP. A partir de las entrevistas, delineamos cuatro perfiles de trayectorias, segundo el tempo de permanencia y la situación de conclusión del curso. Concluimos, ante los trayectos y experiencias señaladas, que la evasión es afectada por diferencias de vínculos establecidos con la universidad, así como por las condiciones y estilos de vida juvenil. Las determinaciones de clase no explicitan las incidencias de evasión en la USP.

Palabras clave: experiencia educativa, deserción, estudiantes, enseñanza universitaria, Brasil.


The university experience and the dropout of graduate students at the Universidade de São Paulo

Abstract

This paper analyzes the university experience that favored dropout and the paths taken by young people in graduate courses at Universidade de São Paulo (USP), offered in the city of São Paulo during the period 2002-2016. This is a longitudinal research with quantitative analysis of dropout and interviews conducted in depth with a sample of twenty-two USP deserting students and graduates. From the interviews, the authors delineate four trajectory profiles, according to time spent and course completion status. They conclude that the trajectories and experiences pointed out  that the dropout rate depends on differences in the links established with the university, as well as by the conditions and lifestyles of the young people. In contrast, class determinations do not make explicit the incidences of dropout at USP.

Keywords: educational experience, dropout, students, university education, Brazil.


Introdução

Este artigo analisa a experiência universitária que favoreceu a evasão de alunos dos cursos de graduação da Universidade de São Paulo (USP), oferecidos na cidade de São Paulo, no período de 2002 a 2016. Discorre ainda sobre os caminhos percorridos pelos jovens estudantes universitários da USP mediante a iminência da evasão. Trata-se de uma pesquisa longitudinal (Giraldi e Sigolo, 2016), com análise quantitativa e qualitativa do público da USP que foi averiguado.
          A pesquisa realizada ateve-se um levantamento macro da recorrência da evasão em todos os cursos de graduação da USP oferecidos na cidade de São Paulo no período de 2002 a 2016. Foram selecionadas quatro carreiras e sete cursos para definição de índices finais exatos e análise estatística das formas de comportamento da evasão na instituição. Após a análise de 13 categorias explicativas da evasão (curso, ano de ingresso, turno, estado civil, idade, momento da evasão, motivo da evasão, situação de encerramento, escola de procedência, classificação no vestibular, existência de titulação anterior ao ingresso, sexo e perfil socioeconômico e cultural),1 foi possível selecionar uma amostra de vinte e dois egressos (concluintes e não-concluintes) para aprofundar a discussão do tema na universidade.2
          Neste artigo, de maneira específica, apresentaremos os resultados das análises das entrevistas com egressos (concluintes e não-concluintes) após percorrer as etapas quantitativas mencionadas. A partir dessa proposição metodológica, delineamos contornos e dinâmicas vigentes do comportamento da evasão na USP, que realçam questões recorrentes da oferta de cursos no ensino superior brasileiro e extrapolam aspectos estritamente acadêmico-universitários. Os fatores observados nessa investigação são retratados em literatura recentemente produzida na área (Carvalho, 2017; Digiampietri et al., 2016; Júnior e Real, 2020; Santos et al., 2017) bem como, vem sendo densamente explorados em estudos que abordam as etapas de transição para a vida adulta e questões relativas à concomitância estudo e trabalho para a categoria estudantil e etária jovem (Abramo, 1997; Pimenta, 2007).
          Nesse enquadramento, destaca-se que o artigo se estrutura pela reconstituição da literatura produzida na área, pela descrição dos procedimentos metodológicos adotados, pela divulgação e discussão dos resultados, pela indicação de sugestões de encaminhamentos administrativos mediante conclusões realizadas. Passaremos subsequentemente à explanação da configuração e desenvolvimento do tema da evasão no campo do ensino superior brasileiro.

Fundamentação teórico-conceitual e metodológica: revisão da literatura

O estudo da evasão no campo do ensino superior se justifica frente à necessidade de a universidade bem qualificar seus estudantes, garantindo um bom número em termos de seus diplomados. Contudo, verifica-se um dilema no cenário de oferta da Educação Superior brasileira: estimula-se o ingresso ao passo que o sistema político educacional se mostra deficiente para deter os estudantes (Júnior e Real, 2020; Nunes, 2013).
          Segundo dados do Censo da Educação Superior no Brasil, no ano de 2017 a soma dos concluintes esteve estagnada em 1 199 769, representando 14.5% das correspondentes matrículas de graduação; percentual idêntico ao obtido em 2016. Por sua vez, os índices de conclusão observaram um incremento de 2.6% em relação a 2016 e de 4.3% em relação a 2015 (Brasil, 2018).
          Frente a essa dificuldade de se observar melhores resultados em termos percentuais na relação entre ingressantes e concluintes, o tema da evasão ganha destaque. A questão parece-se tratar de um problema complexo que envolve os sujeitos e o sistema educacional, tendo consequências individuais, sociais, acadêmicas e econômicas (Santos et al., 2017).
          Nessa perspectiva, pesquisas recentes debruçam-se sobre esse objeto de análise e demonstram a importância de se aprofundar o estudo das causas, dos motivos e dos impactos provenientes do abandono pelos estudantes dos sistemas de ensino (Júnior e Real, 2020; Carvalho, 2017; Santos et al., 2017; Digiampietri  et al., 2016; Costa, 2016).
          Ressalta-se que uma importante contribuição para o estudo da evasão no ensino superior brasileiro se deu quando o Ministério da Educação (MEC), realizou um macro-estudo que definiu uma fórmula de cálculo e conceituou a evasão como sendo “a saída definitiva do aluno de seu curso de origem sem concluí-lo” (MEC et al., 1996). O estudo consolidou uma metodologia própria a partir de um esforço integrado de grande parcela das instituições universitárias brasileiras e definiu um conceito de evasão.
          A partir desse estudo, a Comissão Especial para o Estudo da Evasão nas Universidades Brasileiras instituída pelo MEC et al. (1996), quantificou os índices de evasão, mas não avançou em um conhecimento aprofundado desse fenômeno, a partir de uma proposição de análise com viés mais qualitativo. Com relação a isso, esclarecem que:

Ao afirmar-se, por outro lado, a complexidade do fenômeno, pretende-se destacar uma assertiva também presente nos trabalhos citados: a de que os estudos sobre evasão principalmente aqueles que apresentam como resultados parciais ou conclusivos tão somente índices quantitativos devem ser subsidiados por informações que o qualifiquem efetivamente, contribuindo, portanto, para um melhor entendimento do fenômeno analisado (MEC et al., 1996: 56).

          Outro aspecto destacado deste estudo consiste na observação de que para análise das recorrências da evasão devem ser respeitadas as especificidades institucionais e as regras próprias de cada universidade. Frente a isso, destaca-se a necessidade de acompanhamento para o enfrentamento institucional desse fenômeno.
          Na USP, são averiguadas pesquisas diversas sobre a evasão a partir de 1990 (Bueno, 1993; Costa, 2016; Digiampietri et al., 2016; Fiorani, 2015; Lehman, 2014; Souza, 2012; Oliveira e Souza, 2004). Tais trabalhos apresentam reflexões sistematizadas sobre o tema e pesquisas empíricas com recortes diferenciados de análise. Assim, verificam-se estudos de cursos, faculdades isoladas e dados globais representativos de toda a universidade. Cada investigação utilizou uma abordagem específica e adotou metodologia própria para o acompanhamento da trajetória escolar do evadido, conforme objetivo analítico proposto.
          Nesse estudo, retomamos as análises realizadas por Oliveira e Souza, (2004) por se tratar de uma pesquisa com índices globais acerca da evasão institucional na USP, no período de 1998 a 2002. Sendo assim, a pedido da Pró-Reitoria de Graduação, foi finalizada por Oliveira e Souza, (2004) uma pesquisa que quantificou os índices de evasão em todos os cursos de graduação e caracterizou três perfis de trajetórias, assim delineadas: 1) concluintes no tempo ideal; 2) evadidos e 3) aqueles que permanecem mais tempo que o ideal na universidade. A definição destes perfis se deu em razão do interesse em observar as diferenças de trajetórias escolares realizadas por grupos distintos de estudantes que evadem do curso, que concluem no tempo mínimo e por aqueles que permanecem mais que o tempo mínimo em suas graduações de origem.
          As análises de Oliveira e Souza, (2004) se deram dentro de um recorte de tempo mínimo para a efetivação do curso superior. Desse modo, os três perfis de trajetórias delineados constituíram-se em tipos-ideais3 das experiências escolares observadas na universidade e evidenciaram os seguintes aspectos da evasão institucional: 1) a existência de evasão por motivo de trabalho; 2) a ausência de informação a respeito do curso; 3) uma transição acidentada entre o ensino médio e o ensino superior —em termos de ritmo e autonomia de estudos; 4) a incompatibilidade das exigências extracurriculares com a condição de ser um estudante-trabalhador; 5) a ausência de pré-requisitos e reprovações que geram descontinuidades no curso e 6) o distanciamento da formação obtida e aquela demandada pelo mercado como fator de desmotivação.
          Mediante tais resultados, a investigação aqui apresentada verificou um período de tempo mais recente e estendido da evasão na USP (2002-2016). Dessa maneira, observando as situações de conclusão após o tempo máximo de integralização curricular, esse estudo atualizou os índices institucionais, verificou formas de manifestação da evasão nos cursos e apresentou os motivos elencados bem como, os caminhos percorridos pelos jovens-egressos, concluintes e não concluintes, dos cursos dessa universidade, com a efetivação de entrevistas em profundidade.
          Após análise de regressão logística de treze fatores intervenientes da evasão na USP, foi estabelecido como sendo fatores explicativos da evasão na instituição os aspectos relativos a: idade, ser estudante do curso noturno, possuir titulação anterior ao ingresso, o sexo e a procedência escolar do estudante no ensino médio. Frente a esses resultados foram contemplados representantes dessas categorias para serem entrevistados, conforme especificação dos procedimentos metodológicos adotados.

Percurso metodológico

Para realizar as entrevistas, foram selecionados 22 ex-alunos, concluintes e não concluintes, de sete cursos de alta evasão da USP, oferecidos na cidade de São Paulo, no período de 2002 a 2016. Os cursos selecionados foram: Licenciatura em Matemática Diurno e Noturno, Geofísica, Bacharelado em Geografia Diurno e Noturno, Biblioteconomia Diurno e Noturno.
          Foram realizadas 12 entrevistas com ex-alunos evadidos e 10 entrevistas com ex-alunos concluintes. Do universo de 22 entrevistados, selecionamos um entrevistado concluinte e um não concluinte de cada curso, um do diurno e outro do noturno, quando era o caso; diferentes momentos de encerramento da graduação; ex-alunos de procedências escolares diversas; de diferentes sexos e idade de até 29 anos, no momento de ingresso. Com relação aos diferentes momentos de encerramento do curso, temos: concluintes que encerraram a graduação no tempo ideal de integralização curricular e outros que concluíram no tempo máximo. Além disso, verificamos casos de evasão nos dois primeiros anos após o ingresso e com mais de dois anos de permanência.
          O conjunto dos depoentes possuía características socioeconômicas e culturais diversas bem como, foi indiscriminada a classificação obtida por cada um(a) no exame vestibular. Isto se colocou, devido a estes aspectos não interferirem nas chances de conclusão do curso pelos alunos investigados. Por sua vez, as demais características (etárias, de sexo, procedência do ensino médio público ou privado, ser estudante do turno diurno ou noturno e o momento de encerramento do curso na USP, com ou sem conclusão) foram observadas na seleção dos depoentes.
          No tocante à idade de até 29 anos, para além da diversidade etária existente no banco de dados, foi priorizada a análise da categoria etária jovem.4 Isto se deu pelo fato de a discrepância entre as faixas de idade serem bastante acentuadas no banco de dados e esta circunstância inviabilizar parâmetros de comparação com o público majoritário do ensino superior brasileiro. As políticas públicas de cobertura desse nível de ensino em âmbito nacional são comumente voltadas ao perfil etário considerado jovem.5
          Frente a isso, a única questão não contemplada nos aspectos determinantes da evasão na USP, segundo análises de regressão logística, foi a condição de ter titulação anterior ao ingresso. Esse dado atinha-se a um público restrito e com idade bem superior à da maioria da população que busca a formação superior nessa universidade e nas demais instituições de ensino superior brasileiras (Brasil, 2018).
          Nessa conjuntura, o perfil dos entrevistados procurou atender a uma miríade de situações que contemplaram a diversidade de fatores que interferem na evasão da USP, conforme destacado nas análises estatísticas realizadas. Mediante os aspectos delineados, procurou-se averiguar desafios comuns relativos à condição de vida jovem que acometem esses estudantes quando realizam o curso superior. Tal aspecto além de apontado nos dados quantitativos também é realçado em pesquisas qualitativas da área nessa e em outras universidades (Bueno, 1993; Costa, 2016; Lehman, 2014; Santos et al., 2017).
          Entendemos a condição de vida jovem6 como específica para diferentes indivíduos e, sendo assim, não podemos afirmar que exista uma unicidade de sentidos nas experiências vividas para distintos perfis de estudantes. A literatura pertinente ao tema considera a categoria etária jovem como possuidora de nuances que a configuram no plural, dada a sua complexidade (Groppo, 2000). Assim, é enunciada tal compreensão:

Essa concepção alerta-nos sobre a existência, na realidade dos grupos sociais concretos, de uma pluralidade de juventudes: de cada recorte sociocultural —classe social, estrato, etnia, religião, mundo urbano ou rural, gênero, etc.— saltam subcategorias de indivíduos jovens, com características, símbolos, comportamentos, subculturas e sentimentos próprios. Cada juventude pode reinterpretar à sua maneira o que é ser jovem, contrastando-se não apenas em relação às crianças e aos adultos, mas também em relação a outras juventudes (Groppo, 2000: 15).

          Partindo dessa formulação e tomando algumas especificidades, aproximações e distanciamentos que caracterizam a categoria etária jovem aqui analisada, delineamos quatro perfis de trajetórias, segundo suas respectivas situações de encerramento do curso e tempo de permanência na USP. A pesquisa realizada deixou entrever diferentes percursos e perspectivas traçadas pelos egressos investigados. Assim, foram observados casos de ex-alunos de procedências sociais diversas com diferentes destinos dentro e fora da instituição, bem como a forma como esses estudantes se relacionavam com a universidade. Foram observados aspectos que acreditamos possibilitar uma melhor compreensão das condições de vida jovem em seu processo de passagem para a vida adulta (Pimenta, 2007). Dessa forma, verificamos: as referências simbólicas de vida acadêmica e extra-acadêmica, as formas de apropriação da universidade, a relação com a cultura e a sociedade de seu tempo estudantil e geracional, a configuração de suas rotinas, tempos de estudo/trabalho e deslocamento, prática de esportes e atividades de lazer, desempenho no curso, perspectivas de profissionalização, além da situação ocupacional atual, permeados pela demarcação social de gênero e demais condições elencadas, tais como: situação de encerramento do curso e tempo de permanência na universidade. A partir de tais eixos, conseguimos verificar aspectos no processo de passagem para a vida adulta, tomando como referência: a consolidação profissional na carreira e a conquista de autonomia financeira por parte de alunos concluintes e não concluintes dos cursos de alta evasão da USP, bem como requisições postas para a universidade em sua finalidade institucional de bem qualificar seus estudantes (MEC et al., 1996). Com isso, averiguamos processos distintos em diferentes trajetórias e aspectos da formação realizada na instituição.

Perfis estudantis e formato da evasão

Perseguindo a proposição apresentada, foram analisadas as respectivas trajetórias e experiências acadêmicas desenvolvidas pelos jovens-egressos, concluintes e não concluintes, entrevistados por esta investigação. Mediante este objetivo, foram consolidados quatro perfis de trajetos, segundo as respectivas situações de encerramento do curso e tempo de permanência na universidade, assim definidos: 1) Concluintes no tempo ideal e máximo; 2) Evadidos antes de dois anos de permanência; 3) Evadidos após dois anos de permanência com conclusão (dentro ou fora da USP); e 4) Evadidos após dois anos de permanência sem conclusão ou evadidos prolongados sem conclusão. Cada perfil, se configurou como um agrupamento estudantil específico. Isto se deu, em razão das similaridades de experiências e desfecho obtido no curso. Descreveremos as singularidades desses perfis, conforme foram se delineando na pesquisa realizada.

Tipo 1. Concluintes no tempo ideal e máximo

O tipo 1, concluinte no tempo ideal ou máximo, é constituído por um grupo de estudantes que concluiu a graduação na USP, no tempo previsto pelo regulamento. Estes egressos, concluintes no tempo regulamentar, ideal ou máximo, se distinguem mais por área de formação que por aspectos individuais dos estudantes. Frente a isso, parece existir uma compreensão na área de Ciências Humanas de que o aluno precisa de mais tempo para desenvolver certa qualificação no curso e isto vem refletindo nas extensões de prazos para a conclusão da formação superior na USP. Segue abaixo, reflexões que reiteram as observações apontadas:

Estava bem na época que eu estava-me formando já, foi bem no período do TCC [Trabalho de Conclusão do Curso] e tudo e aí até brinco assim que sou meio devagar, eu decidi que queria-me formar com calma, eu acho que estava até demorando porque o curso era para ser, um curso normal é de 4 anos, como eu fazia o noturno, tinha bastante essas janelas de optativas, esse curso normalmente era para durar 5 anos e já era uma longa discussão. Aí também eu acho que o curso era um pouco espaçado demais, como eu te falei. Acho que, poderia ter sido mais condensado. Enfim, eram 5 anos, e nessa eu estava com pendência de matéria optativa, eu já ia entrar no meu 6º ano no meio de 2009 e eu estava esgotada (Entrevistada 12, Concluinte Curso Biblioteconomia Noturno, Mariana).7
          Na época do TGI [Trabalho de Graduação Individual], eu dei uma atrasada nas matérias, aí demorou para concluir o curso, aí só consegui me formar em maio de 2009. Eu queria me dedicar mais à monografia (Entrevistada 17, Concluinte Curso Geografia Diurno, Daniela).

          Para além da questão da área, o concluinte no tempo regulamentar dos cursos de alta evasão predomina entre o público feminino. Tais estudantes possuem pais com renda mediana e baixa8 como também, parcela significativa dos genitores, exercem ocupações no âmbito do trabalho manual. Assim, é verificada a seguinte distribuição de renda, escolaridade e ocupação dos pais dos ex-alunos concluintes nos cursos de alta evasão da USP, que foram entrevistados: 50% dos pais possuem ensino superior completo; 60% observam renda entre 6 e 10 salários mínimos e 40% exercem ocupações no âmbito do trabalho manual.
          Com relação à predominância feminina entre os concluintes, observamos que esse público vem assumindo um modelo de responsabilidade social e de formação intelectual mais identificado com o do pai que com o da mãe. Dessa maneira, nos casos analisados, observamos um pequeno diferencial de escolarização dos pais sobre o nível de escolaridade das mães. Verificamos que, o modelo de responsabilidade social e de formação intelectual a que estão mais identificadas é o do pai e que esse espaço da universidade possui um significado singular para a jovem no sentido de estruturação da sua personalidade a partir da construção de um papel social cujos parâmetros são diferentes do destinado à sua mãe. Portanto, constata-se uma tendência à valorização da formação escolar dos filhos e filhas indistintamente e este ritual de passagem é bastante significativo para as mulheres.
          Os concluintes percebem bons desempenhos no curso embora, não deixem de criticar o formato das práticas acadêmicas. Acreditam que fizeram para passar, que conseguiram responder aos objetivos propostos. Dentre outras razões, consideram a formação segmentada, sem maior ligação entre as disciplinas e voltada para o aspecto formalista da universidade, com ênfase em seu produtivismo. Assim, é retratado:

Eu estudava sozinha, tinha aula que eu preferia ir para a biblioteca estudar sozinha do que ficar assistindo. Eu gostei do curso, mas é um curso extremamente sofrido. Os professores ali são bons pesquisadores, mas não bons professores. Os professores são bem distantes, não são muito próximos dos alunos, acho que é característica do curso, mas eu tive sorte que o pessoal do meu curso era muito comprometido (Entrevistada 5, Concluinte Curso de Licenciatura em Matemática Noturno, Tereza).
          Eu era assim, no comecinho, tem também aquele deslumbramento todo, de entrar na faculdade e tudo, eu não tinha esse ritmo até os primeiros resultados, até perceber que seria avaliada só por provas e as provas exigem bastante de mim, então eu precisava estudar, eu estudava todo dia, mas concentrava bastante o estudo nas semanas que antecediam as provas. Eu deixava muito a desejar nas listas que os professores forneciam para estudo, os professores passavam lá a teoria, discutiam as teorias, discutiam não, apresentavam, porque não existia muito o perfil de discussão ali na matemática, e o instrumento de estudo era o livro, muitos deles muito difíceis para mim e essas listas gigantes de exercícios, então era muito técnico o negócio assim, muito repetitivo, você faz uns 20 exercícios muito similares para conseguir entender como é que se faz aquilo (Entrevistada 2, Concluinte Curso de Licenciatura em Matemática Diurno, Catarina).

          Os estudantes concluintes, em sua maioria, optam por não trabalhar. Para tanto, observavam experiências acadêmicas enriquecidas com estágios e bolsas de monitoria e iniciação científica durante a realização da graduação. Associado a este fato, estabeleciam vínculos estreitos com a universidade, na forma de envolvimento em atividades extracurriculares do curso, na dedicação às atividades propostas, na utilização de diferentes espaços institucionais, tais como: laboratórios, centro poliesportivo, biblioteca, festas universitárias, restaurante universitário, museus, cinusp, etc.
          Nos casos em que os concluintes exerciam algum tipo de atividade remunerada, os ex-alunos resguardavam condições para o bom desempenho no curso. Assim, apresentavam uma rotina regularizada em termos de horas de sono, atividades de lazer, estudo, deslocamento e trabalho sempre mediados pelo objetivo principal de concluir o curso.
          Tais estudantes viveram o momento de realização do curso, de forma menos independente e autônoma em relação à família de origem. Neste sentido, observamos que postergaram nesta fase da vida a passagem para a vida adulta. Segundo explicitado:

No primeiro ano eu ajudava um amigo do meu pai nessa área de informática perto da USP, eu ia lá, trabalhava umas 2 ou 3 horas, mas era bico. [...] Fora isso, eu ficava o dia inteiro na USP, eu mudei para uma república aí perto no segundo ano, aí eu ficava o dia inteiro. [...] [O curso] foi bem agradável. No começo você não vê muita geofísica, você vê física, matemática e um pouco de geologia, não vê muito da área que você vai seguir. Porém, os professores têm muita iniciação científica, então na metade do segundo ano eu já entrei no laboratório, já comecei a iniciação científica, já começamos com um projeto, aí teve a bolsa de estudos que me ajudava, então eu fui mais motivado pela iniciação científica. Isso me possibilitou uma integração grande com o curso, acaba que essa formação complementar ela acaba densificando a nossa formação e proporciona uma formação bem consistente. Tanto que até hoje eu trabalho em uma área que vi na iniciação científica. Com a bolsa, eu me mantinha estudando e eu ficava por conta de estudar. Minha mãe ajudava porque a bolsa não pagava tudo, mas eu nunca precisei recorrer a empregos. Eu ficava na USP de segunda a sexta, o dia inteiro. Na faculdade, eu conheci a minha atual esposa. Então, nos finais de semana, a gente namorava, vinha para Jundiaí onde eu moro hoje e a gente ficava com a família dela (Entrevistado 8, Concluinte Curso Geofísica, Felipe).
          Eu estudava de manhã, quase todos os dias. Sempre, ia para o estágio à tarde, quando tinha. O 1º estágio que eu fiz ainda era todos os dias à tarde, aí passava o estágio, eu estava no clube, fazia aula de tae-kwon-do ou ia para casa, basicamente foi isso. No 2º estágio, não ia todos os dias, eram 3 vezes por semana, se não me engano, e também ia para o clube, perto de casa, na maior parte dos dias à noite eu ia para o clube. Eu fiz estágio durante todos os semestres da graduação. Depois que eu comecei a ganhar o meu salário, meus pais ainda me ajudavam a pagar o curso de idiomas que eu fazia, comecei a fazer francês. Verdade, acho que fiz 2 anos de graduação, também fiz francês à noite. Eles me ajudavam a pagar. No final de semana [...], nas festas da USP, eu fui muito pouco, acho que fui em 2 festas. Assim, eu namorava e saía com o meu namorado, cinema mesmo, comer fora, essas coisas (Entrevistada 10, Concluinte Curso Biblioteconomia Diurno, Sofia).
          Tinha lazer assim, tinha um lazer vez ou outra com os amigos, o dinheiro era curto, então de fato não tinha muita coisa, a gente vai no que é de graça. Mas tem custo de... É, tem o custo de transporte, etc., mas o bom de morar em São Paulo é que você tem museus, você tem uma série de coisas que você consegue gratuitamente ou a um preço acessível. Mas, eu confesso para você que eu vim a ter uma vida social mais ativa e cultural depois que eu passei a ter uma condição financeira melhor. Depois que eu entrei no Scielo [estágio realizado durante o curso de Biblioteconomia]. Por exemplo, na semana passada, eu fui a uma peça de teatro, eu paguei uma peça de teatro, eu vou ao cinema com uma frequência grande, eu gosto de ir a shows, mas antes não tinha, a vida era estudar, trabalhar e limpar a casa, porque eu nunca tive empregada, eu ainda faço isso (Entrevistada 13, Concluinte Curso Biblioteconomia Noturno, Valentina).
          Eu levantava, tomava café, estudava, ia para USP, tinha aula a tarde inteira, bandejava, aí ia à noite para casa. Se eu fosse de manhã, eu bandejava à tarde, ficava um pouco e voltava para casa. No final de semana, quando era época de prova, eu estudava, mas eu saía. Às vezes o pessoal da faculdade se encontrava para ir em festa, bar, na época, eu ia bastante para praia com os meus pais, a gente gostava muito de acampar. (Entrevistada 18, Concluinte Curso Geografia Diurno, Bela).

          Ao término da graduação, essa categoria observa uma posição bem consolidada no mercado de trabalho e percebe uma boa remuneração no mercado de trabalho paulistano para graduados. Os egressos desse agrupamento não pretendem seguir a carreira acadêmica e se veem realizados na profissão que exercem na atualidade.

Tipo 2. Evadidos antes de dois anos de permanência

O tipo 2, evadidos antes dos dois primeiros anos, é constituído por um grupo de estudantes que redirecionou a escolha para outro curso de maior afinidade profissional. Assim, nos casos analisados verificamos situações de ex-alunos que ingressaram na USP em carreiras de menor prestígio, tais como: Biblioteconomia Diurno, Licenciatura em Matemática Diurno e Geofísica e logo no início da graduação, resolveram retomar o cursinho para tentar novo vestibular em carreira de maior compatibilidade pessoal. Nos casos citados, os ex-alunos resolveram cursar engenharia e justificaram para tanto que vislumbravam uma projeção profissional mais consolidada nesta formação que no primeiro curso de ingresso. Abaixo, é reiterado:

Eu ouvi uma palestra uma vez, foi bem legal. Era um bom palestrante, ele apelou bastante para esse lado de que [a Engenharia] era um negócio altamente especial e para poucos, isso para mim me chamou atenção. Aí, eu fiquei interessado. Foi no ano que eu prestei Licenciatura em Matemática, inclusive eu estava-me preparando para o ITA [Instituto Técnico da Aeronáutica], a Licenciatura para Matemática era um plano B, tanto que eu não prestei Poli, como não rolou o ITA, a primeira vez que eu prestei, eu fui fazer a Licenciatura (Entrevistado 1, Evadido Curso Licenciatura em Matemática Diurno, Frederico).
          Eu terminei o ensino médio [em 2002], eu prestei o primeiro vestibular, mas eu não fui para a segunda fase, eu fiz um ano de cursinho, na verdade pouco menos de um ano, eu fiz o cursinho, só que eu não me sai bem. Eu sempre quis fazer Engenharia desde quando eu era mais novo, eu fiz colégio técnico, o meu interesse era Engenharia, só que quando eu terminei o colégio, eu não me sentia preparado para o vestibular de Engenharia. Eu achava que era muito difícil, muito concorrido, eu não me sentia preparado. Aí eu procurei outras áreas que na época eu queria entrar logo na faculdade, eu não queria ficar muito tempo fazendo cursinho, eu queria ir logo trabalhar. Eu sempre achei que tinha que fazer a faculdade, eu na verdade prestei para o curso de Física e entrei em Geofísica. Aí eu entrei no curso de Geofísica por causa da minha pontuação. Então eu já entrei um pouco meio desmotivado, comecei a fazer as disciplinas, eu fiz provas, estava normal, eu não estava com problemas de notas e nada disso, só que logo em abril teve uma greve, o Instituto de Geofísica lá, o IAG [Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas] entrou em greve, isso meio que me desmotivou bastante, eu estava esperando, estava tentando engrenar lá no curso, aí dá aquela parada, nisso que deu essa parada, eu comecei a pesquisar mais sobre os cursos de Engenharia e tal, durante essa parada, eu decidi que iria retornar a estudar. Então eu fiquei focando mais no vestibular e eu passei em Engenharia mesmo em 2006 (Entrevistado 6, Evadido Curso Geofísica. David).
          Eu prestei Poli [Escola Politécnica] ainda não sabendo o que eu queria, justamente por isso que eu prestei Poli. [...], a Engenharia era bem generalista, tem um monte de matérias de várias áreas, como eu não sabia exatamente o que eu queria, eu falei: já que eu não sei, eu vou fazer um curso que tem de tudo. Na época também existia a ideia de que não faltaria emprego, eu fui e fiz, a minha mãe também gostava da ideia, Engenharia ela achava legal, eu fui e fiz. Os primeiros anos, eu gostei muito, eu achei legal o ambiente, eu fiquei mais engajado no curso, não senti aquele desânimo que eu estava quando eu estava na Biblioteconomia, depois eu tive alguns problemas lá na Poli também, algumas matérias que eu não gostei muito, eu não entendi, mas é normal, eu fui e me formei lá (Entrevistado 9, Evadido Curso Biblioteconomia Diurno, Mateus).

          Com relação à procedência social, os ex-alunos evadidos antes dos dois anos de permanência são classificados, segundo o Critério Brasil, como sendo de classe média-média e média-baixa. Tais egressos verificam uma alteração na posição de classe devido a divórcios em parcela dos casos ou dificuldades financeiras dos filhos de pais comerciantes, durante o período que antecede o ingresso na USP. Contudo, todos os ex-alunos analisados nesta categoria observam uma boa base escolar. Parte deles, é formada em escolas técnicas federais, tais como: no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) e outro segmento, escolarizou-se em escola particular em região privilegiada da cidade de São Paulo. Os pais possuem escolarização de nível médio e superior, tendo ocupações tanto em âmbito manual quanto em nível especializado.
          Estes ex-alunos tinham expectativas mais altas que as demais categorias analisadas. Desse modo, com relação as projeções e perspectivas de formação na USP almejavam as melhores oportunidades acadêmicas e para tanto se dedicavam integralmente aos cursos com bolsas de pesquisa e atividades compatíveis com esta finalidade. Frente a isso, constata-se que usufruíam de toda a estrutura institucional de forma a ter algum controle sobre seus trajetos de formação bem como, não se percebiam críticos ou reflexivos desta estrutura mas, reconhecidos e valorizados por ela em sua forma de legitimar oportunidades. Assim, pode ser averiguado:

Eu comecei a fazer o doutorado antes de me formar, vamos dizer assim, eu comecei já cursar disciplina de pós-graduação, eu ainda estava na graduação, eu fiz uma disciplina de pós-graduação, eu já comecei a discutir com o professor que era da iniciação científica, eu comecei a discutir com ele o que eu iria fazer durante o doutorado e tal, lá alguns professores eles têm o seguinte, fazem o seguinte, como eu entrei muito cedo para fazer a iniciação científica, eu comecei no segundo ano, geralmente a iniciação científica só começa no terceiro, quarto ano, eu ainda nem estava fazendo o curso de Naval, o curso de Naval começa no terceiro ano da faculdade. Então, no segundo ano, como eu sabia que eu queria fazer aquilo, eu fui procurar, eu fui atrás do pessoal que fazia e conhecia o professor [nome do professor] que é chefe de um laboratório lá, que tem o tanque de provas numérico. Esse professor ele primeiro me colocou lá para ajudar em um estudo que eles estavam fazendo, era uma bolsa de seis meses da Fundação de Apoio da Universidade de São Paulo, fiquei com essa bolsa, eu auxiliava lá no estudo e tal. Aí depois eu conheci o professor que foi o meu orientador que é o [nome do orientador], aí eu fiz a parte da iniciação científica, eu fiz com ele mesmo (Entrevistado 6, Evadido Curso Geofísica, David).

          Estes egressos observam as melhores posições em termos de prestígio, remuneração e projeções profissionais presente e futuras. Almejam tornarem-se professores-pesquisadores em universidades públicas brasileiras. Para tanto, dentre os três egressos analisados, dois trabalham com pesquisa em nível de pós-graduação e seguiram a carreira acadêmica e um terceiro trabalha com desenvolvimento de projetos de tecnologia computacional, em uma empresa multinacional.

Tipo 3. Evadidos após dois anos de permanência com conclusão (dentro ou fora da USP)

O tipo 3, evadidos após dois anos de permanência com conclusão, é constituído por um grupo de estudantes comumente caracterizado como sendo um estudante-trabalhador quando não se configura como um trabalhador-estudante,9 tal é o caso de um entre os cinco representantes da categoria aqui analisada. Este tipo de estudante frequentemente opta pelo curso noturno ou desloca-se para este turno, a fim de compatibilizar o cumprimento de suas atividades de estudo e trabalho.
          A procedência social destes ex-alunos é diversa e afetada por intercorrências geográficas. Assim, filhos de pais com ensino superior completo, estudaram em outros estados e mudaram para São Paulo no momento de ingresso na USP. Os demais estudantes são residentes em São Paulo ou oriundos da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).
          A procedência escolar também é diversa. Alguns estudaram em escolas particulares e outros em escolas públicas de melhor qualidade, sendo dois provenientes de escola técnica, um de escola pública, um de colégio militar e escola particular e um, de escola particular no centro de São Paulo.
          A experiência universitária destes ex-alunos se define mais pela eventualidade que estabeleciam com o estudo que pela priorização deste aspecto na vida do jovem. Assim, é aclarado:

Eu priorizava o trabalho, não ia para a USP porque eu tinha que trabalhar, às vezes chamavam à noite, tinha até prova no mesmo dia, falava: vou ganhar o dinheiro, que estou sem. E aí fica na cabeça: a USP é de graça, se eu reprovar agora, faço de novo o ano que vem e acabei deixando para lá e fui empurrando. A minha cabeça estava focada em querer botar as contas em dia. Eu tinha interesse em me formar, mas eu sempre tinha na cabeça assim: eu não estou pagando a USP, mesmo que eu vá mal agora nesse semestre, eu posso fazer de novo, ou posso fazer novamente (Entrevistado 3, Evadido Curso Licenciatura em Matemática Noturno, Gustavo).
          Eu tranquei porque estava precisando do dinheiro e como eu já não estava levando tão a sério no começo, eu achei que daria para trancar e eu trabalharia e depois com o tempo eu voltaria, só que aonde eu fui trabalhar, eu trabalhei na Fnac, uma loja, e eu trabalhava direto, meu único dia de folga era quarta, aí enquanto eu estava trabalhando nesse período, eu vi que não daria para eu estudar junto, tanto que eu demorei, aí eu realmente senti, porque eu não tinha noção de como era, como as coisas podem ser (Entrevistado 16, Evadido Curso Geografia Noturno, Augusto).

          Quase todos começaram a trabalhar após o ingresso no ensino superior para se auto-sustentarem e/ou para ajudarem nas despesas da casa da família de origem e relegaram o curso a um segundo plano, conforme explicitado:

Não, eu não me apropriava muito. Tirando a parte de almoçar no bandejão [restaurante universitário], eu não saía do prédio. O clima era até bom e tirando esse começo que eu não levava muito a sério, eu não quis contato com os professores, depois quando eu comecei a fazer as coisas direito, eu sentia que tinha uma boa prosa. [...] Então, isso é uma coisa que eu me arrependo, porque eu gostaria, hoje em dia, eu sinto que eu gostaria de ter aproveitado mais o curso, mas, na época, eu sentia que não precisava, depois quando eu terminasse, eu ia conseguir alguma coisa. Mas, na época, eu não lembro direito, eu conversei com amigos que eu tinha fora da faculdade, alguns estavam procurando [emprego] também, aí a gente entregou currículo juntos, aí acabou achando esse lugar. Fui trabalhar, por questão de não pensar direito mesmo, talvez fosse melhor ter feito um estágio na área (Entrevistado 16, Evadido Curso Geografia Noturno, Augusto).

          Tais egressos observavam relações conflituosas com as demandas universitárias e não mantinham vínculos com a instituição para além das atividades obrigatórias de frequência às aulas. Verificavam baixos desempenhos de notas e iam postergando o cumprimento dos créditos em razão da dificuldade em organizar as demandas da vida laboral e o estudo. Segue depoimentos relativos a estas questões:

Eu me dediquei pouquíssimo à faculdade, porque desde quando entrei, tinham algumas matérias que eram num dia que eu tinha trabalho. Então eu acho que fui em 3 ou 4 aulas, não lembro exatamente qual que era a matéria, tinha um professor que era um estrangeiro, falava espanhol, eu fui acho que em 2 ou 3 aulas dele porque, no mesmo dia, eu tinha um trabalho, que eu fazia semanalmente, que era no dia da aula. Então, eu não ia, e em outras matérias, eu ia. Fiz pouquíssimos créditos e não fazia muito, fazia o que era o básico para fazer e não me dedicava. Eu não estudei nada, fora de lá, depois que entrei, entendeu? Então não dá só para assistir aula e achar que vai fazer alguma coisa. Então foi todo ele horrível, o tempo todo (Entrevistado 3, Evadido Curso Licenciatura em Matemática Noturno, Gustavo).
          Faltava tempo para estudar, as coisas não entravam às vezes. As situações mais sofridas eram em metodologia científica. Hoje eu até olho para trás e falo, não estava tão complicado assim. Mas, no começo era tenso, eu tinha que estudar mais essas disciplinas. Mas faltava tempo para estudar. Metodologia então, eles deixam mais para frente, senão ia ser banho de sangue. Metodologia científica, sei lá acabou, a cientologia do conhecimento também. Nossa senhora, essas disciplinas são muito mais filosóficas, pelo menos para mim, e aí era complicado a leitura dos textos. Era complicado absorver aquele conhecimento, eu dependia dos professores também, e muito. Só que, para começar, não dá nem para falar, né! Essa disciplina é difícil. É, mas vai muito do professor, aquele cara que não cobra nada você passa, na mão de um cara mais chato, qualquer disciplina se torna às vezes uma disciplina de terror (Entrevistado 22, Evadido Curso Geografia Diurno, Túlio).

          Este perfil de estudante acaba postergando a finalização do curso e muitas vezes, conclui a formação superior com pedidos de retorno ao curso ou em outra instituição de ensino superior. Nos casos em que a conclusão ocorre fora da USP, os compromissos assumidos com a família de origem ou com um estilo de vida mais independente são mais intensos. Assim, é observado:

O meu desempenho era muito ruim. Eu fui empurrando durante muito tempo, até que falei: não vou enganar ninguém cara, não vou terminar isso daqui, entendeu? Não vou. Acho que se eu tivesse melhor de dinheiro naquela época, tivesse com a carreira mais estruturada, se a empresa tivesse dado certo ou se eu tivesse trabalhando em alguma empresa, alguma coisa assim, eu teria condições de ter concluído (Entrevistado 3, Evadido Curso Licenciatura em Matemática Noturno, Gustavo).

          Tais egressos a despeito de terem entrado no mercado de trabalho durante o curso de graduação não observam uma consolidação profissional —como as demais categorias de concluintes e evadidos antes dos 2 primeiros anos. Atuam fora da área de formação, com baixa remuneração e sem perspectiva de progressão na carreira. Segue menções a este respeito:

Eu parei a faculdade um tempo para trabalhar, fazendo outra coisa, não era nada na área, trabalhava em uma loja. Aí depois que terminei a faculdade, não consegui-me inserir. Eu tranquei a faculdade, trabalhei durante esse tempo, e mesmo depois que eu terminei o curso, eu já voltei a trabalhar de novo. Mas eu nunca trabalhei na área, apesar de querer muito, nunca trabalhei na área. Como eu comecei a trabalhar nessas empresas, eu fui ficando. Aí, mesmo depois, agora eu quis procurar, mas eu achei uma dificuldade de encontrar na área, porque normalmente para achar coisas assim, tem bastante concurso público, essas coisas. Hoje eu trabalho em um escritório de advocacia tributária. Eu quero melhorar bastante, pretendo fazer concurso público, pretendo entrar na área de minha formação e trabalhar com o que eu queria, ter uma estabilidade para poder casar, fazer família, ter casa própria. Nesse aspecto, eu preciso melhorar mais, porque eu sinto que o que eu ganho acaba mal dando para me sustentar. Aí por causa disso fica meio corrido as coisas, não consigo parar para organizar e ver (Entrevistado16, Evadido Curso Geografia Noturno, Augusto).
          Eu queria trabalhar como bibliotecário. Eu atuei em muitas áreas, eu faço muitas coisas e, no fim das contas, eu não tenho uma carreira. Eu tenho várias minicarreiras e nenhuma está feita. Eu gostaria de dirigir uma biblioteca e fazer um trabalho legal, olhar e ver. Agora, eu estou trabalhando com produção de eventos e vendendo o meu livro. Trabalho com essa coisa de produção faz uns dois anos já e está meio saturado para mim. Cansei de não ter dinheiro, estar na pendura, estou tentando o concurso, eu já fiz uns, eu fiz da Prefeitura daqui eu vou fazer um no interior, ver se eu sossego, fico um tempo de boa, me capitalizo de novo, preciso juntar uma grana para ir atrás de outras coisas, quero fazer um curso de roteiro de cinema, vou ver o que dá. Eu quero isso, mas eu não sei quando (Entrevistado 11, Evadido em Biblioteconomia Noturno, Joaquim).

          Essa categoria de tipo 3 experiencia um incremento em suas responsabilidades após o ingresso na universidade e, embora necessitassem trabalhar, não recorreram a referências universitárias ou à assistência estudantil para uma melhor adequação de suas necessidades às demandas do curso e às perspectivas da formação. Constata-se nas trajetórias analisadas que a busca desinformada do mercado de trabalho durante a graduacão implicou em danos, no que concerne a conquista de uma posição futura mais consolidada e estável profissionalmente. Situações dessa natureza, recorrentemente delineadas nos estudos que abordam o momento de passagem para a vida adulta (Pimenta, 2007), continuam a requerer atenção específica das políticas públicas sobretudo, para propiciar a efetiva inserção de jovens no mercado de trabalho.

Tipo 4. Evadidos após dois anos de permanência sem conclusão ou evadidos prolongados sem conclusão

O tipo 4, evadidos após dois anos de permanência sem conclusão ou evadidos prolongados sem conclusão, é constituído por um grupo de ex-alunos que perdeu o interesse pela graduação cursada, após longo período de permanência e não realizaram outra formação de ensino superior. A certa altura da graduação, após considerarem que não levaram tão a sério o curso, assumem que não desejavam exercer a docência. Reiteram para tanto que não vislumbravam perspectivas profissionais na graduação realizada e não viam sentido na conclusão do curso. Assim, é iterado:

Falta de maturidade, mas, obviamente, chega em uma altura que você está encerrando o curso, aí você sabe mais ou menos aonde você vai conseguir colocar o pé ou não, e particularmente na sala de aula não era o local onde eu pretendia colocar o meu. Então tinha que ir para área técnica, como eu não fui minimamente esforçado, não fiz estágio, não ia dar (Entrevistado 14, Evadido do Curso de Geografia Diurno, Guilherme).
          Chegou a ficar pesado, na hora que eu precisei colocar a coisa no papel, eu falei: eu estou aqui há quase 10 anos e fiquei patinando o tempo todo, eu não concluí nada de verdade. Eu senti que não tinha construído uma coisa, foi isso que faltou na hora de fazer o TCC [Trabalho de Conclusão do Curso]. Se eu tivesse estudado mais, prestado atenção, feito as coisas direito, talvez eu tivesse mais facilidade, mas agora não dá mais. De fato, isso é inegável, por exemplo, o diploma me abriria muitas portas hoje, esse diploma da faculdade me abriria muitas portas, mas, talvez, em lugares onde eu não quero trabalhar (Entrevistado 15, Evadido do Curso de Geografia Diurno, Rafael).

          Tais ex-alunos observam procedências sociais mais favorecidas que as demais categorias analisadas. Excetuando, uma egressa cuja família de origem é definida como sendo de classe baixa, os demais estudantes desta categoria são classificados como sendo de classe média-média e média-alta e observavam auxílios dos pais para se manterem na USP. Todos são oriundos de São Paulo ou da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e após o ingresso, três destes ex-alunos que moravam na RMSP e uma egressa que morava no bairro Jardim Moraes Prado mudaram para próximo à USP para realizarem a graduação. Destaca-se que trabalhavam eventualmente para arcarem com suas despesas individuais e condição de vida jovem. Conforme, observado:

Quando eu mudei para cá [Vila Indiana-Bairro vizinho à USP], eu não estava trabalhando registrado, eu estava fazendo bicos. Eu fazia bico e pagava metade do meu aluguel. Eu dividia com a minha mãe, que pagava a outra metade, ela me dava uma ajuda de custo (Entrevistado 15, Evadido do Curso de Geografia Diurno, Rafael).
          Olha, quando eu, depois de dois anos no curso, quando pleiteei uma vaga no Crusp [Conjunto Residencial da USP], para morar aqui, a assistente social que me atendeu, ela disse que pela minha condição socioeconômica, eu não conseguiria uma vaga no Crusp, uma vez que eu morava em Cotia [Cidade da RMSP] e tinha uma família que era razoável, tinha carro, então pela minha condição... Então pela minha condição socioeconômica eu não ia conseguir, porque eles têm um tipo de ranqueamento aqui, eu não ia conseguir, mas tendo em vista a minha deficiência visual, eu tinha uma condição especial. Essa questão exatamente é assim, de certa forma, posso-te dizer que eu tive um certo respaldo da minha família, no sentido financeiro assim (Entrevistado 4, Evadido do Curso de Licenciatura em Matemática Noturno, Flávio).
          Então, quando passei nesse concurso do Governo do estado para o hospital do Ipiranga eu fui morar em república, foi a primeira república que eu morei, no Butantã, isso foi no segundo semestre de 2005. Aí eu já tinha um tempo de vivência e tomei conhecimento do CRUSP [Conjunto Residencial da USP]. Depois, quando terminou esse meu trabalho, eu não lembro se era semestral para tentar a vaga, eu tentei a vaga e não consegui. Mas consegui um auxílio aluguel e depois desse trabalho com o Governo, eu me mantive com o auxílio aluguel que eu consegui e também com um estágio de Geografia na subprefeitura do Butantã, era assim que eu me mantinha (Entrevistada 19, Evadida do Curso de Geografia Noturno, Joana.

          Tais ex-alunos foram substituindo a dedicação e interesse pelo curso por atividades que tinham pouca vinculação e paralelas à universidade. Tinham disponibilidade de tempo para se dedicarem aos estudos, irem ao centro poliesportivo da USP, se envolverem em atividades acadêmicas mas, voltaram-se para atividades e grupos externos à instituição. Assim, é destacado:

O primeiro ano eu fiquei maravilhada com os professores, superempolgada, mas era à noite, eu tinha começado a trabalhar, Itapevi [Cidade da RMSP] é longe do Butantã, não é tão longe quanto Moraes Prado [Bairro extremo-sul de São Paulo]. Mas era longe, e eu me encantei com a disciplina de História do Pensamento Geográfico, e eu procurava levar muito a sério, me martirizava porque eu não dava conta de tudo e aí o professor já vinha com texto em espanhol, em francês, e eu não entendia nada, e toma e se vira e corre, e trabalhando, mas eu estava empolgada no primeiro e no segundo ano. Aí em 2004, 2005, bem empolgada, quando chegou 2006, eu até comecei a ficar mais crítica. Aí alguns professores eu começava a perceber que passou um pouco do encantamento, eu começava a perceber que não me identificava política e ideologicamente, aí colocava uma barreira. Tinha essas besteiras. Outros eu via que o cara estava se lixando também. Aí então, você também ficava brava, mas foi mais ou menos assim. Só que eu sempre levei muito a sério. Tanto que meus colegas, que eu nem mantenho tanto contato hoje, mas quando a gente se vê, eles sempre me viam estudando muito, como eu gostava, acreditava, eu estudava e lembro dos colegas me elogiando. Mas isso era quando eu me identificava e me interessava pela disciplina. Agora tinha outras também, que pelo amor de Deus. Ai, não tirando a minha responsabilidade, teve casos que foi relaxo meu por não atentar na época da importância, por estar-me envolvendo em outras coisas. Aí eu tive um desempenho ruim, estava meio carregada da disciplina. Mas, outras vezes, porque os professores eram péssimos mesmo, eles estavam ali por obrigação. Aí do meu lado, a minha resposta também não era boa. Mas quando eu me identificava, gostava ou quando o professor era esforçado, eu já tinha uma resposta boa (Entrevistada 19, Evadida do Curso de Geografia Noturno, Joana).

          Na atualidade, estão trilhando caminhos profissionais sem diploma de nível superior. Parte deles, ainda pretende concluir a formação superior. Outra parte, vislumbra se aperfeiçoar no campo em que atuam hoje no mercado de trabalho. Assim, é retratado:

O que me fez desistir da graduação foi um pouco essa necessidade de não depender de ninguém. Eu não fiz faculdade até hoje por causa disso também. Até então é aquela coisa, sem menosprezar, claro, mas é assim como construir o conhecimento, eu aprendi aqui na faculdade aos trancos e barrancos, mas eu aprendi. O título seria só um título. Se eu preciso chegar a um amigo e perguntar como eu faço isso e tal, não é a faculdade que vai-me ensinar, eu não preciso dela, eu sei onde perguntar, eu sei onde ler, eu sei pesquisar. O título será só o título. Tudo bem, que tem bastante a questão de salário, mas, desde a desistência, foi assim que eu fui fazendo. Hoje eu não gostaria de fazer nada de específico. É o que eu estava falando naquela hora que eu deveria ter feito, por exemplo, quando eu escolhi Geografia, talvez eu deveria ter escolhido Biologia, talvez. Mas eu não sei se daria certo. Por isso que eu ainda não me arrependo de não ter feito o curso superior (Entrevistado 15, Evadido do Curso de Geografia Diurno, Rafael).
          Eu me vejo morando em um lugar menor, me vejo dando aula, tentando criar alguma mudança, por exemplo, esses professores que me abriram os olhos e me despertaram algumas coisas e, assim, tenho medo de me dar mal, pode ser que eu comece a exercer a profissão, atuar como professora e não me encontre, mas se isso acontecer, eu tenho que tentar, se não der certo eu dou meus pulos e a gente vai levando, mas por hora eu penso nisso [nessa possibilidade de retomar o curso]. A princípio eu não quero-me desligar do banco, na verdade eu até queria, mas dou graças a Deus de ter um trabalho, um trabalho estável, ainda mais nesse momento que a gente está vivendo. Mas voltar para um cargo de seis horas para manter os benefícios, as garantias do banco que são muito boas, dado o contexto, e aí ir fazendo essa transição aos poucos para área da educação, e aí, conforme for, se der certo, e também tem vários outros fatores, é assim que eu enxergo (Entrevistada 19, Evadida do Curso de Geografia Noturno, Joana).

          Essa categoria não se vê convencida da relevância da formação superior e das possibilidades que a aquisição do diploma pode oferecer. Tais estudantes parecem não confiar em si mesmos como também, a universidade não os despertaram para tanto. Assim, preferem não se formar no ensino superior que terminar uma formação que não desejam. Talvez essa categoria seja o grupo que mais demandaria suporte da instituição, com estreitamento de vínculos e atividades que pudessem auxiliá-los a motivarem-se e reconhecerem-se institucionalmente.

Perspectivas comparadas e interlocuções

Nas análises dos quatro tipos-ideais ou perfis de estudantes, verificamos situações coletivas diversas. Assim, observamos casos de ex-alunos que, a despeito de um conjunto de adversidades materiais, educacionais e simbólicas, descobriram trajetos de sobrevivência, informações e apoios mútuos que possibilitaram a construção de trajetórias exitosas na USP e bem consolidadas no mercado de trabalho paulistano atual, imediatamente após o término da graduação. Outros casos de estudantes que buscaram a carreira acadêmica, desbravando e se inserindo nesse nicho dentro da instituição, como forma de se manter e obter um melhor rendimento e aproveitamento do curso. Casos de estudantes que enveredaram pelo campo do trabalho para auxiliar no sustento da família de origem e não conseguiram finalizar a formação no tempo regulamentar, e outros que perderam o interesse em concluir a formação de ingresso e não efetuaram outro curso de ensino superior.
          Em todas estas situações, apreendemos uma ação do indivíduo sobre o seu próprio percurso. Nesse aspecto, reiteramos o entendimento da juventude quando considera que esse momento da vida constitui um período no qual conteúdos e práticas assimiladas no âmbito familiar são confrontados com novas experiências, que podem ser vivenciadas tanto em um plano microssocial (relações interpessoais de amizade, relacionamentos afetivos, vínculos associativos e religiosos) como também pelos desafios macrossociais, materializados em determinadas conjunturas políticas, econômicas e sociais nas quais os jovens estão inseridos(Tomizaki, 2017). Desse modo, percebemos que diferentes trajetos constituem formas de os indivíduos se forjarem e serem estruturalmente produzidos em uma sociedade (Martuccelli, 2007). Dentre outros aspectos, esses indivíduos interagem e atuam em um espaço de possibilidades múltiplas em que são convocados a se afirmarem e a sobressaírem.
          Nessa perspectiva de afirmação de si e de ação do indivíduo sobre o seu próprio percurso, considerar que o trabalho simplesmente impossibilita a formação superior na USP não é procedente. Existem outras variáveis ou condicionalidades nessa tramitação que inviabilizam, senão postergam essa conquista. Desse modo, relações interpessoais, redes de sociabilidades e tipos de vínculos estabelecidos dentro e fora da universidade interferem em diferentes desfechos para a conclusão do curso. Nesse ínterim, existe uma busca do indivíduo por questões pessoais que são importantes para ele, pelo menos em um determinado momento da trajetória de vida de cada ex-aluno, e, nessa busca, nem sempre a USP ocupa posição preponderante. Nessa ocasião, outras dimensões ou esferas da vida ganham relevância, e o baixo envolvimento com o curso repercute na não-conclusão da graduação de ingresso. Diante disso, consideramos que o trabalho dificulta a conclusão, mas não é fator único que incide sobre a desistência pelo menos temporária do ensino superior na USP, conforme retratado nos casos de evasão de Tipo 3. Constatamos, portanto que, questões subjacentes a esse âmbito, tanto do ponto de vista institucional quanto do estudante, impossibilitam tal êxito.
          Por outro lado, a perda de interesse pela graduação cursada implica em uma avaliação que o indivíduo faz acerca de suas perspectivas futuras que, muitas vezes, extrapolam aspectos pertinentes à formação de maneira estrita. Muito frequentemente, os cursos de mais alta evasão são voltados para a formação geral e não para formações profissionalizantes. Tal condição tem uma implicação sobre as expectativas de direcionamento da graduação realizada, que é diferente de uma formação aplicada.
          Assim, muitas vezes, o curso voltado para um conteúdo mais genérico, que se define por uma área do conhecimento, exige uma busca e uma descoberta individual do aluno, senão o aporte de diferentes tipos de capitais econômico, social e cultural para inserção no mercado de trabalho. Nos casos aqui analisados, o grupo mencionado nessa apreciação, ou seja, o grupo de Tipo 4, não observa condições socioeconômicas e culturais desfavorecidas em relação às demais categorias elencadas, sobretudo considerando a categoria de concluintes (Grupo de Tipo 1). Contudo, o aluno dessa categoria não conseguiu se inserir diante das perspectivas de formação oferecidas e frente a isso, decidiu por não concluir o curso.
          Por sua vez, existe ainda uma hierarquia das carreiras no mercado de trabalho, e quem consegue um certo respaldo e deseja percorrer um caminho mais valorizado profissionalmente, muitas vezes, o faz sem arrependimento da formação que abdicou, em alguma circunstância da trajetória pessoal de escolarização. Dessa maneira, temos o tipo de evasão, que se caracteriza por aqueles que evadem, porque reorientaram a escolha para carreiras de maior afinidade profissional-evasão de Tipo 2.
          Ressaltamos em todas essas intercorrências da evasão que, o desfecho obtido não pressupõe que a USP não apresente debilidades ou fraquezas que dificultam uma resolução mais harmoniosa dos limites e barreiras institucionais. Realmente, são enfatizadas dificuldades diversas, como falta de modernização das práticas pedagógicas, hierarquia das carreiras, alguns entraves para a inserção de grupos diversos em diferentes espaços da universidade, além da perda de sentido e finalidade das proposições acadêmicas advindas de uma visão distorcida de produção do saber. Contudo, existe um entremeio de negociação, um espaço de intervenção do indivíduo sobre o contexto ou meio que também integra. Portanto, a universidade não é totalmente fechada e rígida ao ponto de não incorporar às diversas variâncias e ajustes à sua formatação.
          Dessa forma, observamos casos de alunos com condições adversas, como os concluintes de Tipo 1, que se sobressaíram no curso e estão bem posicionados no mercado de trabalho atual, sem tanto apoio, ou experienciando as mesmas dificuldades institucionais que os demais estudantes analisados. Portanto, muito frequentemente, constatamos que, eram enunciadas possibilidades para as quais se direcionaram diferentes indivíduos, e cada um se deslocou para um ponto que lhe pareceu mais conveniente no instante de ação.
          Verificamos que tais direcionamentos repercutiram em desdobramentos mais ou menos exitosos conforme o percurso realizado no curso. Assim, aferimos que todos os estudantes que concluem observam ascensão do meio social de origem, percebem ganhos não somente do ponto de vista material, mas de aquisição do saber e solidez pessoal, conquistadas com disciplina e dedicação ao curso, a despeito dos problemas da USP.

Conclusões

Frente ao exposto, reitera-se que a contribuição deste trabalho se encaixa exatamente no ponto em que esta permite afastar-se das generalizações, que tratam numérica e quantitativamente as evasões como um fenômeno, senão único, pelo menos com uma abordagem mais geral (MEC et al., 1996). Assim, a pesquisa apontou para a existência de peculiaridades nos comportamentos que provocam a evasão, sem, contudo, cair em especificidades individualistas.
          Considerando-se o agrupamento das trajetórias, a aproximação de alguns casos que permitiu classificá-los em, pelo menos, quatro categorias nos permitem entender que há idiossincrasias que afetam os grupos sociais, os cursos, bem como a escolha individual das pessoas. De tal forma que, se os comportamentos apresentam individualizações, que os separam dos outros, eles também podem ser compilados em categorias, conforme retratado.
           Outra questão que a pesquisa permitiu elucidar relacionou-se ao fato de os fatores econômicos não se mostrarem suficientemente estruturantes a ponto de neutralizar a capacidade que alguns estudantes demonstraram em organizar e gerir suas trajetórias de vida. Diante disso, a pesquisa pode apontar rumos para as medidas de políticas públicas quando evidencia esse aspecto dos resultados obtidos. Assim questões atinentes as necessidades pessoais dos estudantes se destacaram.
           Finalmente, considerando que a evasão e o abandono dos cursos alcançam índices altos, chegando à casa de 30% como no caso da USP (Oliveira e Souza, 2004), pode-se afirmar que: qualquer medida que procure enfrentar os índices da evasão deve ser tomada em consonância com as especificidades de grupos definidos. Defendemos, assim, em face daquilo que se considera como contribuição desta pesquisa, que as medidas tomadas, em geral, com vistas a diminuir os índices da evasão, resultariam em esforço inócuo, se não forem devidamente consideradas as necessidades específicas dos indivíduos e grupos discriminados.
          A título de sugestão para o enfrentamento administrativo das questões apontadas- elencamos a necessidade de: 1) Instalar, ampliar ou tornar mais eficientes os serviços de orientação ao estudante abrangendo aspectos pessoais, didático-científicos, culturais e profissionais; 2) Estimular a formação de maior número de núcleos de pesquisa e projetos integrados na universidade; 3) Valorizar a carreira docente na universidade; 4) Dar maior atenção ao mercado profissional para os estudantes; 5) Ampliar alternativas de inserção no mercado de trabalho aos formados. Acreditamos que com essas medidas, poderemos vislumbrar a consolidação de espaços acadêmicos mais democráticos e fortalecidos, mediante o afloramento de uma universidade menos fragmentada.

*Ana-Amélia Chaves-Teixeira-Adachi
Brasileira. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, Brasil. Professora Formadora na Graduação e Pós-Graduação Lato Sensu do Núcleo de Educação à Distância da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ). Temas de investigación: evasão, ensino superior, políticas de assistência estudantil, perfil de estudantes, trajetórias acadêmicas e juvenis, processos de individuação. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1869-3143. anaameliact@gmail.com
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1. Tais variáveis foram compiladas a partir da consulta a documentos diversos do sistema de cadastramento da USP. Os documentos averiguados consistiram em: Listas de Ingressantes, resumo escolar, histórico escolar, dados do programa e dados do aluno. Os documentos analisados permitem acompanhar a trajetória escolar do estudante na universidade. Regresar

2. Essa investigação se define por ser um estudo de caso (Yin, 2001), devido a complexidade em generalizar os resultados obtidos para o conjunto das instituições de ensino superior brasileiras (IESB). Regresar

3. Segundo Weber, tipos-ideais consistem em construções que nos permitem ver se, em traços particulares ou em seu caráter total, os fenômenos se aproximam de uma de nossas construções. A partir dessa elaboração é possível deteminar o grau de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído teoricamente. Sob esse aspecto, a construção é simplesmente um recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia lúcidas. (Weber, 1982: 372). Regresar

4. Juventude é a categoria social que compreende indivíduos na faixa etária de 15 a 29 anos, que comumente é entendida como fase de transição entre a adolescência e a fase adulta. (Conjuve, 2006). Regresar

5. Estipula-se segundo meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE)/Brasil que, a taxa bruta de matrículas na Educação Superior seja elevada até 2024 para, no mínimo, 50% do grupo populacional de 18 a 24 anos de idade. Os dados revelam que a partir de 2004 houve um crescimento continuado na taxa bruta de matrículas na Educação Superior. De 2009 a 2015 houve um aumento de 6,5 pontos percentuais, atingindo 34,6% de matrículas na Educação Superior, o que pode ser considerado um ritmo insuficiente para o cumprimento da meta em 2024. (Brasil, Lei 13 005, 25 de junho de 2014. Regresar

6. Condição de vida jovem ou condição juvenil pode ser definida como sendo o modo como uma sociedade atribui significado a um determinado momento do ciclo de vida, referenciando essa fase a uma dimensão geracional e à situação dos jovens, segundo seus recortes etários, de gênero, classe, raça, gostos, estilos de vida, etc. (Abramo, 1997). Regresar

7. Para garantir o anonimato dos depoentes, os nomes dos entrevistados apresentados são fictícios. Regresar

8. Renda tomada segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP, 2018) que consiste em um indicador definidor de agrupamentos de classes a partir do poder de consumo da população. Tal critério leva em consideração os seguintes quesitos: posse de bens duráveis, condições de moradia, uso de serviços e grau de instrução do chefe da casa. Apesar de ser um indicador macro, constitui um parâmetro para referenciarmos as análises qualitativas com base em um critério global. Regresar

9. A literatura pertinente ao tema (Foracchi, 1968) estabelece uma distinção entre o estudante-trabalhador e o trabalhador-estudante. Desse modo, verifica, no caso do estudante-trabalhador, que o trabalho e o estudo podem ser conjugados porque tanto existe o trabalho em tempo parcial quanto os cursos noturnos. O jovem que se desdobra entre essas duas atividades, igualmente solicitadoras e absorventes, apresenta, portanto, algumas características peculiares. Para estes, o trabalho parcial: acentua o divórcio entre interesses e necessidade, sem concentrar-se neste ou naquele setor, se dilui entre estudo e trabalho, convertendo-os em atividades precárias e insatisfatórias. Contudo, nesse caso, o trabalho é o setor mais atingido por ser, na perspectiva do estudante, um trabalho incompleto e parcial. O estudante que trabalha vive a fragmentação do estudante: não estamos mais em presença de um mero intervalo que possibilita, como numa fuga, a realização de determinada atividade. Estamos diante de um intervalo amplo que marca, porque separa em tempos sociais distintos, o trabalho e o estudo para o estudante-trabalhador. Por sua vez, a situação do trabalhador-estudante é distinta, pois a acomodação entre estudo e trabalho raramente redunda numa integração harmônica das duas atividades. Com frequência, impõe-se uma cisão, com caráter de opção, pois as qualidades do estudo e do trabalho não têm uma medida comum de avaliação (Foracchi, 1968:51). Regresar


Referencias

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Cómo citar este artículo

Chaves-Teixeira-Adachi, Ana-Amélia (2021), “Experiência universitária e a evasão de estudantes de graduação da Universidade de São Paulo”, Revista Iberoamericana de Educación Superior (RIES), vol. XII, núm. 35, DOI: https://doi.org/10.22201/iisue.20072872e.2021.35.1081 [consulta: fecha de última consulta].

Title: Experiencia universitaria y la evasión de estudiantes de graduación de la universidad de São Paulo
Author:
Subjects: experiência educativa ; deserção ; estudantes ; ensino universitário ; Brasil
Is Part Of:
Revista Iberoamericana de Educación Superior (RIES), , Vol. 12(35),
p.28-48 [Peer Reviewed Journal]
Description: Este trabalho analisa a experiência universitária que favoreceu a evasão e os caminhos percorridos por jovens nos cursos de graduação da Universidade de São Paulo (USP), oferecidos na cidade de São Paulo, durante o período 2002-2016. Trata-se de uma investigação longitudinal com análises quantitativas da evasão e entrevistas realizadas em profundidade com uma amostra de vinte e dois egressos, concludentes e evadidos, da USP. A partir das entrevistas, delineamos quatro perfis de trajetórias, segundo o tempo de permanência e a situação de conclusão do curso. Concluímos, diante dos trajetos e experiências apontadas, que a evasão é afetada por diferenças de vínculos estabelecidos com a universidade, bem como pelas condições e estilos de vida juvenil. As determinações de classe não explicitam as ocorrências de evasão na USP.
Publisher: Universia, IISUE-UNAM
Source: Universia, IISUE-UNAM
ISSN: 2007-2872 ;
E-ISSN: 2007-2872 ;
DOI: 10.22201/iisue.20072872e.2021.35.1081